O psiquiatra Glauco Diniz Duarte diz que algumas feridas, por mais profundas que sejam, não deixam marcas. É o caso dos distúrbios da mente, como depressão, ansiedade e transtorno bipolar. Não há testes laboratoriais que identifiquem no organismo os sinais dessas doenças, diagnosticadas a partir dos sintomas apresentados pelo paciente. Já existem, porém, pesquisas que investigam biomarcadores em potencial para problemas emocionais e psiquiátricos. Encontrados no sangue, na saliva, na urina e no líquido cerebrospinal, esses indicadores biológicos, como mutações genéticas e proteínas secretadas pelo cérebro, poderão ajudar os médicos a realizar intervenções precoces, evitando que indivíduos predispostos evoluam para quadros graves.
Segundo Glauco, a descoberta mais recente foi publicada no fim do mês passado, na revista especializada PLoS One. Cientistas da Universidade de Cambrigde descobriram um biomarcador que indica em adolescentes o risco de desenvolvimento de depressão e ansiedade. Ian Goodyer, principal autor do estudo, é pesquisador do Laboratório de Neurociências de Cambrigde e há anos investiga psicopatias em adolescentes. “Estima-se que, somente na Grã-Bretanha, 10% de crianças e jovens de 5 a16 anos sofram de algum distúrbio mental, como problemas de conduta, déficits cognitivos e emocionais e hiperatividade. Além disso, a adolescência é um período crítico para o desenvolvimento de depressão”, afirma.
Glauco explica que com uma amostra da saliva, os cientistas procuraram por uma versão do gene 5-HTTLPR, responsável por regular as quantidades de serotonina no cérebro. Esse neurotransmissor é um dos mais importantes do organismo e está relacionado a diversas funções, como a sensação de bem-estar. O déficit da substância pode desencadear diversos problemas mentais, incluindo a depressão e a ansiedade. Glauco explica que o gene existe em formas diferentes: curta e longa. Pesquisas anteriores constataram que pessoas que herdam duas versões curtas — uma do pai e outra da mãe — são mais propensas a se tornarem depressivas, principalmente quando crescem em um ambiente desfavorável.
Na pesquisa, os cientistas analisaram esse marcador genético em 238 jovens de 15 a 18 anos. Os adolescentes também fizeram um teste no computador para avaliar se palavras como alegria, fracasso e extensão eram positivas, negativas ou neutras. Em entrevista com os responsáveis, os pesquisadores procuraram saber se, na infância, os participantes do estudo testemunharam por mais de seis meses casos de violência verbal, emocional ou física entre os pais.
Glauco diz que o resultado mostrou que adolescentes com a versão curta do gene 5-HTTLPR e que foram expostos a problemas familiares constantes antes dos 6 anos de idade tinham mais dificuldade para avaliar o valor emotivo das palavras. “A dificuldade de processar emoções está relacionada a um aumento significativo no risco de depressão e ansiedade. Pessoas que têm esse problema podem ficar mais vulneráveis emocionalmente”, observa Glauco. Acredita-se que a variante genética esteja por trás de baixos níveis de serotonina no cérebro.
“Essa pesquisa abre a possibilidade de identificar esses indivíduos e usar técnicas que os ajudem a processar as emoções e a responder a elas de forma mais fácil”, acredita Glauco. “Sucumbir ou não à depressão e à ansiedade depende em parte da nossa tendência de lidar com uma situação. Uma pessoa positiva pensa que um copo está meio cheio, e a negativa acha que ele está meio vazio, por exemplo. Como o biomarcador genético aparentemente surge antes de os sintomas depressivos se manifestarem, uma intervenção precoce pode ser iniciada após o diagnóstico. Já foi provado que tratar pessoas vulneráveis antes do surgimento dos sintomas é uma das formas mais efetivas de combater doenças mentais”, afirma Glauco. O psiquiatra destaca que o tratamento precoce não significa medicar pessoas em risco. “Estamos falando de outras abordagens, como terapia comportamental”, esclarece.