De acordo com o psiquiatra Glauco Diniz Duarte, anteriormente chamado de transtorno de personalidades múltiplas, caracteriza-se por, no mínimo, duas identidades (chamadas de alter egos ou estados do eu) que se alternam. O transtorno inclui incapacidade de recordar informações pessoais importantes relativas a algumas das identidades. A causa é quase invariavelmente um trauma infantil grave e o transtorno é mais bem conceituado como transtorno do desenvolvimento, no qual um trauma extremo interfere na formação de uma identidade única coesa. O diagnóstico se baseia na história, algumas vezes com hipnose ou entrevistas facilitadas por drogas. O tratamento é psicoterapia a longo prazo, às vezes combinado com farmacoterapia.
O que é conhecido por uma identidade pode ou não ser conhecido por outra. Algumas identidades parecem conhecer e interagir com outras em um elaborado mundo interno e algumas o fazem mais do que outras. Esse sistema deve ser mapeado pelo psiquiatra ao longo do tempo.
Este transtorno pode estar presente em cerca de 1% da população geral.
Etiologia
O transtorno dissociativo de identidade é atribuído à interação do seguinte:
• Estresse grave (tipicamente maus-tratos extremos na infância)
• Cuidados e piedade insuficientes em resposta às experiências gravemente perturbadoras durante a infância
• Capacidade de dissociar (habilidade de desacoplar memórias, percepções ou identidades da consciência)
Segundo Glauco as crianças não nascem com um sentido de identidade unificada; ele se desenvolve a partir de várias fontes e experiências. Em crianças oprimidas, muitas partes do que deveria ter sido integrado permanecem separadas. Abuso crônico e grave (físico, sexual ou emocional) e negligência durante a infância são quase sempre relatados e documentados em pacientes com transtorno dissociativo de identidade. Alguns pacientes não foram abusados, mas passaram por importante perda precoce (como a morte de um dos pais), doenças graves ou outros eventos estressores graves.
Em contraste com a maioria das crianças que desenvolvem uma compreensão complexa e coesa de si mesmas e dos outros, crianças gravemente maltratadas podem passar por fases em que diferentes percepções e emoções são deixadas segregadas. Tais crianças podem desenvolver capacidade de escapar dos maus-tratos “se distanciando” ou “se retirando” em sua própria mente. Cada fase do desenvolvimento pode ser utilizada para gerar diferentes estados do eu.
Sinais e sintomas
Diversos sintomas são característicos:
• Quadros de sintomas flutuantes
• Níveis de funcionamento flutuantes, do altamente efetivo ao incapacitado
• Dores de cabeça ou outras dores graves
• Distorções temporais, lapsos de tempo e amnésia
• Despersonalização e desrealização
Despersonalização refere-se a se sentir irreal, removido de seu próprio eu e desconectado de seus processos físicos e mentais. Os pacientes se sentem como um observador de suas vidas, como se estivessem se observando em um filme. Os pacientes podem até mesmo sentir como se transitoriamente não habitassem seus corpos. Desrealização refere-se a experimentar pessoas e locais familiares como se fossem desconhecidos, estranhos ou irreais.
Normalmente, destaca Glauco, os pacientes têm lapsos de tempo; eles podem experimentar frequentes acometimentos de amnésia depois dos quais podem descobrir objetos ou amostras de escritos à mão dos quais não podem se apropriar ou reconhecer. Também podem se encontrar em lugares diferentes daqueles que se lembram de estar e podem não ter ideia do porquê ou como chegaram lá. Podem se referir à própria pessoa na primeira pessoa do plural (nós) ou na terceira pessoa (ele, ela, eles), às vezes, sem saber porquê.
Mudanças de identidade e barreiras amnésicas entre elas quase sempre resultam em vida caótica. Como as identidades muitas vezes interagem umas com as outras, os pacientes geralmente relatam ouvir conversas internas entre outras personalidades que comentam sobre ou se dirigem a eles. Dessa forma, os pacientes podem ser diagnosticados erroneamente como psicóticos. Embora essas vozes sejam experimentadas como alucinações, elas têm uma qualidade distintamente diferente das alucinações típicas dos transtornos psicóticos, como a esquizofrenia.
Os pacientes, com frequência, têm um conjunto inconfundível de sintomas que se assemelham a transtornos de ansiedade, transtornos de humor, transtorno de estresse pós-traumático, transtornos de personalidade, transtornos alimentares, transtornos bipolares, esquizofrenia e quadros convulsivos. Ideação e tentativas de suicídio são comuns, assim como episódios de automutilação. Muitos pacientes abusam de substâncias.
Diagnóstico
• Entrevistas detalhadas, algumas vezes com hipnose ou facilitada por drogas
Os pacientes normalmente foram diagnosticados com três ou mais transtornos mentais diferentes e tratados sem sucesso. Na média, esses pacientes estão no sistema de saúde mental por cerca de seis a oito anos antes de o transtorno ser diagnosticado com precisão. O ceticismo de alguns médicos quanto à validade do transtorno dissociativo de identidade também pode contribuir para o erro do diagnóstico.
O diagnóstico requer conhecimento sobre os fenômenos dissociativos e questões específicas sobre eles. Algumas vezes, utilizam-se entrevistas prolongadas, hipnose ou entrevistas facilitadas por drogas (barbitúricos ou benzodiazepínicos); e pode-se solicitar ao paciente que mantenha um diário entre as visitas.
Todas essas medidas encorajam mudança dos estados de personalidade durante a avaliação. O médico pode tentar, ao longo do tempo, mapear os diferentes autoestados e a inter-relação deles. Questionários e entrevistas especialmente desenvolvidos podem ser muito úteis, sobretudo para médicos que tenham menos experiência com esse transtorno.
O médico pode também tentar dirigir-se diretamente a outras identidades, pedindo para falar com a parte da mente envolvida nos comportamentos dos quais o paciente apresenta amnésia ou que foram experimentados de forma despersonalizada ou fora da realidade.
Prognóstico
Os sintomas flutuam espontaneamente, mas o transtorno dissociativo de identidade não se resolve de forma espontânea. Os pacientes podem ser divididos em grupos com base nos seus sintomas:
• Os sintomas são principalmente dissociativos e pós-traumáticos. Esses pacientes costumam funcionar bem e se recuperam completamente com o tratamento
• Os sintomas dissociativos estão combinados com sintomas proeminentes de outros transtornos, tais como transtornos de personalidade, de humor, alimentares e abuso de substância. Esses pacientes melhoram mais lentamente e o tratamento pode ter menos sucesso ou ser mais longo e motivado principalmente por crises
• Os pacientes não apenas têm sintomas mais graves de transtornos mentais coexistentes, como também podem permanecer profundamente ligados emocionalmente aos seus abusadores. Esses pacientes podem ser um desafio para o tratamento, quase sempre precisando de tratamentos mais longos que, em geral, visam ajudar a controlar os sintomas, mais que a obter reintegração
Tratamento
• Cuidados de suporte, incluindo tratamento medicamentoso conforme necessário para sintomas associados
• Integração a longo prazo dos estados de identidade quando possível
A integração dos estados de identidade é o desfecho mais desejável. As medicações são amplamente utilizadas para ajudar no manejo de sintomas de depressão, ansiedade, impulsividade e abuso de substâncias, mas não aliviam a dissociação propriamente dita; o tratamento para obter a integração centra-se na psicoterapia. Para pacientes que não podem ou não se esforçam pela integração, o tratamento visa facilitar a cooperação e a colaboração entre as identidades e reduzir os sintomas.
A primeira prioridade da psicoterapia é estabilizar os pacientes e garantir a segurança, antes de avaliar experiências traumáticas e explorar identidades problemáticas. Alguns pacientes se beneficiam de hospitalização, na qual suporte e monitoramento contínuos são fornecidos enquanto as lembranças dolorosas são abordadas. A hipnose pode ajudar a acessar as identidades, facilitando a comunicação entre elas e as estabilizando e interpretando. Técnicas modificadas de exposição podem ser usadas para dessensibilizar gradualmente os pacientes de memórias traumáticas que, algumas vezes, só são toleradas em pequenos fragmentos.
Conforme as razões para as dissociações são abordadas e trabalhadas, a terapia pode se mover para a reintegração, integrando e reabilitando os egos alternativos, os relacionamentos e os funcionamentos sociais do paciente. Alguma integração pode ocorrer espontaneamente durante o tratamento. A integração pode ser encorajada por meio da negociação com as identidades, arranjando sua unificação, ou facilitada por sugestão por fantasia e hipnótica.