De acordo com o psiquiatra Glauco Diniz Duarte, refletindo sobre os pacientes que realizam acompanhamento nos diferentes serviços de saúde mental, nos deparamos ainda com inúmeros problemas a serem trabalhados e vencidos. A evolução histórica da psiquiatria e da sociedade possibilita percebermos a pessoa em sofrimento psíquico em diferentes contextos sociais e familiares dentro da assistência integral a este ser, mesmo que amparados pela Reforma Psiquiátrica Brasileira. A reflexão sobre a psiquiatria leva-nos a pensar que esta é uma área na qual algumas pessoas comportam-se de um jeito bizarro e, às vezes nos assustam pela maneira como falam coisas desconexas e incoerentes. Podem ser incapazes de usar discernimento ou serem perseguidas por suas vozes. Conviver com pessoas que apresentam este comportamento não é fácil, principalmente quando manifestam atitudes agressivas e delirantes.
Glauco explica que a doença mental por longo tempo foi caracterizada como uma falha que a pessoa apresentava em seu comportamento diante da sociedade, estando assim fora das expectativas esperadas para o convívio social. Inicialmente, pensava-se que as doenças mentais eram causadas por maus espíritos, magias ou por doenças físicas responsáveis por alterações na mente, observadas exclusivamente como fenômenos psicológicos e tendo suas causas desconhecidas. Embora considerada parte da Medicina e da Enfermagem, a psiquiatria era mantida de lado, deixando muitos doentes ao cuidado asilar, o qual estava fundamentado em princípios de vigilância e punição. A psiquiatria não visava à cura, mas manter os pacientes reclusos em manicômios isolados do mundo e de seu cotidiano.
No decorrer da história, grandes estudiosos deram suas contribuições à psiquiatria, porém, à medida que a ciência progredia, o corpo humano foi se revelando como uma verdadeira máquina constituída de partes separadas e que funcionava mecanicamente. Essa visão levou-nos a aceitar o nosso corpo dissociado da mente, permitindo desta forma que muitos equívocos ocorressem. Na ótica desse modelo, prevalece o fenômeno do adoecimento mental, que focaliza os sintomas, conflitos, problemas na comunicação e nas relações interpessoais. Esse contexto favoreceu o alicerce conceitual da ciência biomédica, ou seja, centrado na doença e desviado do ser humano na sua totalidade.
Glauco lembra também que os profissionais de saúde trabalham de maneira dicotômica, ou seja, mesmo com a legislação vigente e os progressos terapêuticos realizam uma assistência rígida e focada no transtorno mental, esquecendo a integridade e o contexto no qual o paciente está inserido. Imbuídos por hábitos construídos em tempos nos quais a melhora do paciente em sofrimento psíquico estava na negação da sua autonomia encontram dificuldades em dialogar com outros saberes, não percebendo a multidimensionalidade do ser humano no seu meio ambiente e na sua inserção familiar. Convivendo com pessoas em sofrimento psíquico verificamos o sucateamento que persevera na psiquiatria em algumas instituições, mesmo que a política de saúde mental existente no Brasil busque a descentralização, a desinstitucionalização e a ressocialização desse indivíduo.
Até a década de 70 do século passado, o sofredor psíquico foi rotulado como louco, agressivo e incapaz de conviver em sociedade. Em consequência disso, quando necessitava de cuidados, era encaminhado à internação hospitalar. Isso acontecia porque o modelo vigente de tratamento nesse período era realizado exclusivamente no hospital, sem a participação da família e da sociedade que não estavam inseridas no tratamento e na manutenção da saúde mental. Os familiares, por descaso ou falta de suporte profissional e social, abandonavam seus entes na instituição. Com o passar do tempo, destaca Glauco, houve uma superlotação em vários hospitais psiquiátricos, levando os pacientes a dormirem onde encontrassem um lugar para deitar, sendo muitas vezes em condições inadequadas, precárias. No Brasil, no final da década de 70, esse modelo de assistência à saúde mental fundamentado na exclusão do ser humano do convívio social já apresentava sinais de esgotamento. Nesse sentido, faz-se necessário lembrarmos que os seres humanos são seres sociais e vivem o ser cotidiano em contínuas experiências individuais intransferíveis com o ser de outros. O que nos faz seres humanos é a maneira particular de vivermos juntos e sermos indivíduos, pessoas, somente enquanto somos seres sociais na linguagem.
A ação consistia numa desospitalização com fechamento gradativo dos hospitais psiquiátricos e a construção de serviços alternativos nos municípios e regiões. Entretanto, foi somente após dez anos que a Lei nº 10.216 proposta pelo Deputado Paulo Delgado foi sancionada pelo Presidente da República em 06 de abril de 2001. Essa lei dispõe sobre a proteção e os direitos dos portadores de doença mental, redireciona o modelo assistencial em saúde mental não centrado no hospital psiquiátrico e também não permite a construção de novos hospitais. Para tanto, propunha a extinção progressiva dos manicômios e sua substituição por instituições abertas, tais como: Unidades de Saúde Mental em Hospital Geral, Emergência Psiquiátrica em Pronto-Socorro Geral, Unidade de Atenção Intensiva em Saúde Mental em regime de Hospital-Dia, Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), Núcleos de Atenção Psicossociais (NAPS) que funcionariam por vinte e quatro horas, pensões protegidas, lares abrigados, centros de convivência, cooperativas de trabalho e outros serviços que preservem a integridade do cidadão.
E, assim, surgem os CAPS que, como o nosso, atende essa demanda que surgiu após a desospitalização, trazendo melhorias psíquicas, cognitivas, sociais, laborais e humanas para esse pacientes, que antes eram os excluídos, marginalizados. Os progressos que acompanhamos diariamente são excepcionais, benefícios esses que nunca poderão ser atingidos somente com medicação ou hospitalização.