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Transtornos mentais geram pessoas negligenciadas

Glauco Diniz Duarte
Glauco Diniz Duarte

Apesar dos avanços da psiquiatria, nos últimos anos, e embora as doenças mentais tenham recebido cada vez mais atenção, as pessoas que sofrem de algum tipo de transtorno continuam sendo negligenciadas. Essa questão tem raízes na própria história da psiquiatria, segundo o psiquiatra Glauco Diniz Duarte. “Somente com Phillippe Pinel, no século XVIII, houve uma tentativa de classificar e tratar as doenças mentais, e não somente isolar os doentes nos manicômios, onde eram frequentemente tratados com violência”, lembra Glauco ao observar que, além disso, pessoas com transtornos mentais muitas vezes apresentam comprometimento em sua capacidade de expressar-se, de socializar-se e, por conseguinte, de lutar por melhores condições de assistência em saúde.

Para Glauco, os indivíduos com problemas mentais são estigmatizados e, muitas vezes, rechaçados do convívio social. Ele explica que pouco se fala abertamente sobre os transtornos mentais, que muitas vezes são associados ao comportamento violento, gerando medo e rejeição das pessoas próximas. “Existe uma crença ainda presente que os transtornos mentais não sejam doenças propriamente ditas, mas falhas de caráter das pessoas que delas sofrem, de modo que muitos pacientes e famílias se envergonham do próprio diagnóstico”, Glauco ao afirmar que muitas pessoas ainda têm a crença de que as doenças mentais tenham causas místico-religiosas, fazendo com que os pacientes busquem atendimento médico apenas como último recurso. A especialista defende, para mudar o quadro, a necessidade de abordar as doenças mentais de forma ampla, levando à população um conhecimento livre de preconceito.

“Estudos populacionais mostram que os problemas mentais mais frequentes na população são os transtornos de ansiedade, os transtornos de humor, principalmente a depressão e os transtornos por abuso de substância, em especial o alcoolismo”, aponta Glauco ao comentar que, tipicamente, as doenças psiquiátricas são multifatoriais. “Embora haja fatores constitucionais envolvidos, inclusive genéticos, a influência do meio é considerável”, pondera.

Então, uma vez que o ambiente pode influenciar, seria correto afirmar que populações de países de média e baixa renda têm maior possibilidade de vir a ter algum tipo de transtorno mental, certo? De acordo com Glauco, os estudos epidemiológicos sobre os transtornos mentais são escassos e concentrados na América do Norte e Europa. “Os raros estudos existentes sugerem que exista uma variabilidade global na prevalência de algumas doenças, sendo os transtornos ansiosos mais comuns em países de maior renda e em zonas de conflito e os transtornos depressivos mais frequentes em países de baixa renda”, assinala ao considerar que, dentro do mesmo país, sabe-se que a baixa renda está associada a uma frequência maior de doenças mentais, embora não esteja claro até que ponto a pobreza é causa ou consequência delas.

Mesmo o transtorno mental não sendo resultado direto de pressões diárias, Glauco adverte que privação de sono, carga excessiva de trabalho, falta de tempo para o lazer, exposição à violência e pobreza são fatores que podem favorecer o surgimento ou agravamento de alguns sintomas, principalmente de ansiedade e depressão. “Os mecanismos neurofisiológicos são pouco compreendidos, mas provavelmente se relacionam às vias noradrenérgicas e serotoninérgicas”, diz Glauco ao realçar que, para prevenir, é fundamental reservar tempo para o sono e o lazer, o que tem se tornado cada vez mais raro nos grandes centros urbanos.

“Políticas públicas de prevenção à violência e redução da pobreza são igualmente importantes”, acrescenta ao destacar que estudos sugerem que a depressão tem aumentado ao longo do tempo. “Não está claro se isso se deve a um real aumento, a uma maior detecção ou à mudança de critérios diagnósticos.” A ansiedade e a depressão estão entre as principais causas de morbidade e incapacidade para o trabalho, conforme informa Glauco ao lembrar que ambos os transtornos são passíveis de remissão com o tratamento médico adequado.

Na avaliação de Glauco, apesar do movimento da reforma psiquiátrica, os serviços de atendimento psiquiátrico permanecem, em muitos casos, separados dos demais serviços de saúde, reforçando o preconceito de que doentes mentais devem permanecer à parte do restante da sociedade. Ele acredita que esse quadro pode ser revertido garantindo maior acesso da população aos serviços de saúde mental e à integração destes aos serviços gerais de saúde, diminuindo a segregação dos doentes mentais. “Muitos transtornos mentais, como esquizofrenia, transtorno obsessivo-compulsivo e transtorno bipolar, apresentam evolução crônica, mas os sintomas podem melhorar e até mesmo remitir com o tratamento”, assegura Glauco ao pontuar que existem, ainda, quadros autolimitados e com remissão espontânea, como as psicoses breves e os transtornos dissociativos. “A decisão do melhor tratamento a ser instituído deve ser feita individualmente, pelo médico psiquiatra”, alerta.

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