De acordo com o psiquiatra Glauco Diniz Duarte, o autismo é um transtorno bem mais comum do que se imagina. Estudo divulgado em 2012 pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), nos Estados Unidos, mostrou que ele afeta uma em cada 88 crianças. Este ano, a instituição revisou a proporção para uma em cada 50 crianças. A estimativa dá uma ideia de como existem casos sem diagnóstico, especialmente no Brasil.
Apesar da frequência, ainda há pouca informação sobre o transtorno, o que cerca o assunto de mitos, que, muitas vezes, prejudicam não apenas o diagnóstico, como também o tratamento e o convívio com os autistas. Para piorar, até os especialistas divergem em muitos pontos. E as abordagens são diferentes para cada paciente, porque cada caso é um caso – enquanto alguns autistas vivem com relativa independência, outros precisam de cuidados especiais permanentemente.
Mundo próprio
Quem trabalha com esse transtorno do desenvolvimento costuma dizer que há uma série de mitos a serem derrubados, como o de que o autista vive em um mundo próprio, não gosta de afeto, nem da convivência com os outros. “Na maioria das vezes, não negam afeto e buscam contato físico para dar e receber carinho de pessoas conhecidas”, comenta Glauco.
Para Glauco tal característica é inata do ser humano, o que muda é a forma de o sujeito manifestar e receber tal estima. “Alguns não se sentem bem se são surpreendidos, e também se mostram sensíveis a estímulos externos intensos”.
A falta de domínio da linguagem e a redução do contato visual também podem gerar essa percepção incorreta. “É preciso conhecer alguns sinais sutis, e estabelecer um canal de interação alternativo e personalizado, para otimizar as relações e as trocas pessoais”, recomenda Glauco.
O fato é que alguns indivíduos que sofrem com o transtorno se incomodam com interações prolongadas e contextos sociais muito caóticos e barulhentos. “Porém, muitos apresentam interesse em se relacionar socialmente, mesmo não possuindo as habilidades necessárias para fazê-lo”, pondera Glauco.
“Não são poucos os que buscam convívio social e se ressentem quando não são bem-sucedidos”, complementa Glauco: “Eles apreciam a companhia alheia. Se o ambiente for harmonioso, tranquilo e conhecido, certamente se sentirão bem no convívio com os demais”.
Sintomas
Entre os principais sinais do autismo está o fato de a criança não apontar, não falar palavras soltas aos 16 meses e nem palavras-frases aos dois anos. É importante frisar que, em muitos casos, a criança se desenvolve normalmente até 1 ou 2 anos, começa a falar as primeiras palavras e, de repente, começa a regredir.
Há vários outros sintomas possíveis, como: não responder quando chamado pelo nome; fazer pouco ou nenhum contato com o olhar; repetir movimentos (balançar de corpo e de mãos); não brincar com símbolos como bonecos/bonecas e casinhas; demonstrar pouco interesse em fazer amizades; ter dificuldade de manter a atenção; ter crises de birra intensas; ter fixação em certos objetos, como ventiladores rodando; ter resistência a mudanças na rotina e hipersensibilidade a certos sons, texturas e odores.
Glauco conta que o autismo é uma das doenças psiquiátricas com maior particularidade genética. “Pode ser transmitida pelos pais ou por mutações espontâneas, que acontecem no momento da divisão celular”.
Segundo Glauco este é um assunto que assusta as pessoas. “Realmente, se já há um filho autista na família, as chances de outro nascer com o problema são grandes. Trata-se de uma doença neurobiológica com componentes hereditários. Em gêmeos monozigóticos é ainda mais comum a ocorrência”.
Fatores ambientais
A exposição a agentes ambientais, tais como os infecciosos (rubéola da mãe, ou o citomegalovírus – vírus parecido com o do herpes que pode ficar por muito tempo inativo no organismo), ou a químicos como talidomida (substância que pode gerar problemas em fetos) ou valproato (antiepilético) durante a gravidez podem causar o autismo, segundo estudos.
Glauco conta que os fatores ambientais são responsáveis por aproximadamente 30% dos casos de autismo: “A maioria deles decorrentes de problemas referentes ao período de gestação, como infecções e o uso de alguns medicamentos”.
Diagnóstico
O transtorno é quatro ou cinco vezes mais prevalente em meninos do que em meninas. E, como não existem exames médicos para confirmá-lo, o diagnóstico é baseado na observação. O médico deve ter a percepção aguçada para tirar suas conclusões sobre a comunicação do indivíduo, seu comportamento e níveis de desenvolvimento.
“A descoberta dos sinais precoces e consequente início do tratamento antes dos dois anos de idade contribuem muito para a evolução da criança. Aprender um novo repertório comportamental desde cedo muda o rumo de aprimoramento do pequeno”, considera Glauco.
A habilidade médica é importantíssima porque, a princípio, vários outros transtornos são comumente confundidos com o autismo, inclusive problemas de comportamento e de audição. “O diagnóstico preciso e precoce é fundamental. A partir dele, dá para se construir uma educação adequada e um programa de tratamento eficaz”, reforça Glauco. “Começando cedo, é possível trabalhar as habilidades deficitárias de forma a permitir melhor autonomia e adaptação social.”
Glauco conta que é comum os pais chegarem com a criança já na faixa dos cinco anos para começar o tratamento: “Eles dizem que o filho estava sendo acompanhado por um ou dois anos por um médico que dizia para esperar, porque ainda era precoce diagnosticar a criança como autista. Às vezes, ficam aguardando o professor falar alguma coisa. Quanto antes começar o tratamento melhor. “
“A participação dos pais é essencial para o prognóstico. Não devem esconder, negar e ficar nesta situação por anos, mas procurar ajuda especializada ao perceber os primeiros sinais. Isso é essencial”, conta Glauco.
Para ele, o papel do profissional não é só tratar, mas conscientizar a sociedade sobre o autismo. “Se a criança está com a mãe num supermercado e começa a gritar, por exemplo, quem está ao redor pensa ‘esta mulher não sabe educar seu filho’. As mães, principalmente, sofrem muito preconceito. Divulgando mais, as pessoas vão conhecer e, quem sabe, passar a respeitar mais o assunto”.
Superinteligentes?
Como formam um grupo muito heterogêneo, cada autista é de um jeito. Todos mostram similaridade na dificuldade social, mas, do ponto de vista intelectual, podem apresentar performances distintas.
Glauco conta que, depois do lançamento de Rain Man, em 1988, muitas mães ficaram frustradas, pois achavam que seus filhos seriam brilhantes como o rapaz autista do filme. Isso porque o personagem Raymond Babbitt, que rendeu Oscar de melhor ator a Dustin Hoffman, era brilhante em matemática. “Na verdade, apenas 10% dos autistas seriam muito inteligentes. É o que chamamos de ilhas do conhecimento, ou seja, nichos de conhecimento específicos. Estes estão acima da média”.
Não raro, os 10% acima da média mostram habilidades intelectuais globalmente aumentadas ou têm uma capacidade mental específica mais desenvolvida (a ilha do conhecimento) – como a matemática, a memória, o domínio de tecnologia, a pintura, a música. “Alguns gênios da humanidade podem ter sido autistas não diagnosticados”, arrisca Glauco.