De acordo com o psiquiatra Glauco Diniz Duarte, transtornos de personalidade em geral são padrões generalizados, inflexíveis e estáveis de comportamento, os quais causam sofrimento significativo ou comprometimento funcional. Existem diversos transtornos de personalidade, cujas manifestações variam significativamente, mas acredita-se que todos sejam causados por uma combinação de fatores genéticos e ambientais. A maioria torna-se gradualmente menos grave com a idade. O diagnóstico é clínico. O tratamento é feito com psicoterapia e, algumas vezes, terapia medicamentosa.
Segundo Glauco, os traços de personalidade são padrões de pensamento, percepção, reação e relacionamento que permanecem relativamente estáveis com o tempo. Os transtornos de personalidade ocorrem quando esses traços tornam-se tão rígidos e maladaptativos que prejudicam o funcionamento interpessoal e/ou no trabalho. Essas maladaptações sociais podem causar sofrimento significativo em pessoas com transtornos de personalidade e aqueles ao seu redor. Para as pessoas com transtornos de personalidade (ao contrário de muitos outros que procuram aconselhamento), o sofrimento causado pelas consequências de seus comportamentos socialmente desajustados é, em geral, a razão pela qual elas procuram tratamento, e não um desconforto com seus próprios pensamentos e sentimentos. Assim, os clínicos devem, inicialmente, ajudar os pacientes a ver que seus traços de personalidade são a raiz do problema.
Em geral, os transtornos de personalidade começam a tornar-se evidentes no final da adolescência ou início da idade adulta, e suas características e sintomas variam consideravelmente quanto ao tempo tempo em que persistem; muitos se resolvem com o tempo.
De acordo com o atual Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais , Quinta edição (DSM-V), distúrbios de personalidade são essencialmente problemas com
• Autoidentidade
• Relacionamentos interpessoais
Problemas de autoidentidade podem se manifestar como uma autoimagem instável (p. ex., as pessoas oscilam entre ver-se como gentis e cruéis) ou inconsistências nos valores, objetivos e aparência (p. ex., as pessoas são profundamente religiosas enquanto estão na igreja, mas profanas e desrespeitosas em outros lugares). As questões interpessoais tipicamente se manifestam como deixar de desenvolver ou manter relacionamentos próximos ou ser insensível aos outros (p. ex., incapaz de empatia).
Glauco diz que pessoas com transtornos de personalidade parecem, muitas vezes, incoerentes, confusas e frustrantes para aqueles que as rodeiam (incluindo médicos). Essas pessoas podem ter dificuldade de saber os limites entre si mesmas e os outros. Sua autoestima pode ser inapropriadamente alta ou baixa. Elas podem ter estilos inconsistentes, distanciados, excessivamente emocionais, abusivos ou irresponsáveis de cuidar dos filhos, causando-lhes problemas físicos e mentais, bem como em seus cônjuges. Com frequência, os transtornos de personalidade coexistem com transtornos de humor, ansiedade, abuso de substâncias e alimentares. Para os pacientes com tais comorbidades, ter um transtorno de personalidade geralmente resulta em um prognóstico significativamente pior e torna a resposta ao tratamento menos provável.
Cerca de 13% da população geral tem um transtorno de personalidade. No geral, não há distinções claras em termos de sexo, classe socioeconômica e raça. No entanto, no transtorno de personalidade antissocial, os homens superam as mulheres em 6:1. No transtorno de personalidade borderline, as mulheres superam os homens em 3:1 (mas apenas em contextos clínicos, não da população em geral). Para a maioria dos distúrbios de personalidade, os níveis de hereditariedade são cerca de 50%, o que é semelhante ou maior que muitos outros distúrbios psiquiátricos maiores. Esse grau de herdabilidade depõe contra a suposição comum de que os transtornos de personalidade são falhas de caráter moldadas, principalmente, por um ambiente adverso.
Classificação
O DSM-IV-TR dividiu 10 transtornos de personalidade em três grupos. O novo DSM-V não usa grupos e reconhece menos transtornos; esses transtornos constituem o foco aqui.
Transtorno de personalidade esquizoide
O transtorno de personalidade esquizoide, como seus primos históricos paranoicos e esquizoides, envolve exclusão social e frieza emocional. No entanto, o transtorno de personalidade esquizoide também inclui particularidades do pensamento, percepção e comunicação, como pensamento mágico, clarividência, ideias de referência e ideação paranoide. Os pacientes tendem a desconfiar de mudanças e frequentemente encontram motivos hostis e malévolos por trás dos atos de outras pessoas. Tais excentricidades sugerem esquizofrenia ( Esquizofrenia), mas nunca são graves o suficiente para preencher seus critérios. Acredita-se que as pessoas com personalidade esquizotípica expressem uma mutação dos genes que causam a esquizofrenia.
Transtorno de personalidade borderline
Transtorno de personalidade borderline é comumente visto em todas as definições médicas e psiquiátricas. Caracteriza-se pela instabilidade de autoimagem, humor, comportamento e relacionamentos.
O transtorno de personalidade histriônica pode representar um subgrupo de pacientes com transtorno de personalidade borderline que compartilham a volatilidade e instabilidade emocional nos relacionamentos.
Pessoas com transtorno de personalidade borderline são hipersensíveis. Elas tendem a acreditar que foram privadas de cuidados adequados durante sua infância e, consequentemente, sentem-se vazias, raivosas e dignas de receber atenção. Como resultado disso, elas se tornam buscadoras incansáveis de cuidados e são sensíveis à percepção da ausência deles. Seus relacionamentos tendem a ser intensos e dramáticos. Quando se sentem cuidadas, parecem crianças desamparadas e solitárias que procuram ajuda para depressão, abuso de substâncias, distúrbios alimentares e maus-tratos anteriores. Quando temem a perda da pessoa cuidadora, costumam expressar raiva intensa e inapropriada. Tais mudanças no humor são acompanhadas por mudanças extremas em suas visões de mundo, de si mesmas e de outras pessoas – por exemplo, de mau para bom, de odiado para amado. Quando estão chateadas ou com ódio de si mesmas, muitas vezes se automutilam. Quando se sentem abandonadas, elas se dissociam, têm breves episódios de pensamento psicótico ou tornam-se desesperadamente impulsivas, às vezes engajando-se em atos suicidas.
Inicialmente, pacientes com transtorno de personalidade borderline tendem a incitar respostas carinhosas e intensas dos cuidadores; contudo, depois de repetidas crises, queixas infundadas e vagas e não adesão às recomendações terapêuticas, elas podem evocar respostas hostis e negativas.
O transtorno de personalidade borderline tende a remitir (em cerca de 50% em 2 anos e 85% em 10 anos); tendo remitido, geralmente não apresenta recaída. No entanto, essa redução dos sintomas não está associada com melhora comparável do funcionamento social. Depois de 10 anos, apenas cerca de 20% têm relações estáveis ou emprego de período integral. (Ver também as diretrizes práticas para o tratamento de pacientes com transtorno de personalidade borderline da American Psychiatric Association.)
Personalidade antissocial
O transtorno de personalidade antissocial (e o historicamente relacionado transtorno de personalidade psicopática) caracteriza-se pelo desprezo aos direitos e sentimentos das outras pessoas. As pessoas afetadas exploram os outros para obter ganhos materiais ou gratificação pessoal. Elas se frustram com facilidade e toleram mal a frustração. Caracteristicamente, expõem seus conflitos de maneira impulsiva e irresponsável, algumas vezes com hostilidade e violência. Com frequência, não preveem as consequências de seus comportamentos e não sentem remorso ou culpa depois deles. Muitas apresentam capacidade bem desenvolvida de racionalizar fluentemente seu comportamento ou de colocar a culpa em outras pessoas. Desonestidade e trapaça permeiam suas relações. Punição raramente modifica seu comportamento ou melhora seu julgamento.
A personalidade antissocial quase sempre acarreta alcoolismo, uso de drogas, promiscuidade, falha em cumprir responsabilidades, mudanças frequentes e difícil conformidade com as leis. A expectativa de vida diminui, mas o transtorno tende a diminuir ou estabilizar com a idade.
Transtorno de personalidade narcisista
O traço central no transtorno de personalidade narcisista é a grandiosidade. As pessoas afetadas possuem sentimento de superioridade exagerado e esperam ser tratadas com deferência. Elas podem explorar os outros por pensarem que sua superioridade justifica isso. Seus relacionamentos são caracterizados por uma necessidade de ser admirado. Elas muitas vezes acreditam que outras pessoas as invejam, e são extremamente sensíveis a críticas, fracassos ou derrotas. Quando confrontadas com uma falha em satisfazer sua opinião exagerada sobre si mesmas, elas podem tornar-se enraivecidas ou seriamente deprimidas e suicidas.
Transtorno de personalidade esquiva
O transtorno de personalidade esquiva caracteriza-se pela evitação de pessoas ou situações em que possa ocorrer rejeição, fracasso ou conflito. As pessoas afetadas temem iniciar relacionamentos ou qualquer outra coisa nova por causa do risco de fracasso ou decepção. Em virtude de seu forte desejo consciente por afeto e aceitação, as pessoas afetadas ficam claramente incomodadas com seu isolamento e com sua incapacidade de se relacionar confortavelmente com outras pessoas.
Transtorno de personalidade obsessivo-compulsivo
O transtorno de personalidade obsessivo-compulsivo é caracterizado pela consciência, regularidade e confiabilidade. No entanto, as pessoas afetadas são também muitas vezes inflexíveis e, portanto, incapazes de se adaptar a mudanças. Elas assumem responsabilidades seriamente, mas como odeiam erros e incompletude, podem ficar atrapalhadas com detalhes e esquecer seus objetivos. Como resultado, elas têm dificuldades de tomar decisões e completar tarefas. Esses problemas tornam as responsabilidades uma fonte de ansiedade e elas raramente obtêm muita satisfação com suas realizações. Muitos traços obsessivo-compulsivos são adaptativos e, desde que não sejam muito acentuados, as pessoas que os têm, em geral, conseguem muitas realizações, especialmente em ciências e outros campos acadêmicos em que ordem, perfeccionismo e perseverança são desejáveis. No entanto, sentimentos e conflitos interpessoais podem deixá-los desconfortáveis, como situações sobre as quais eles não têm controle, que requeiram que eles confiem em outras pessoas ou que sejam imprevisíveis.
Diagnóstico
• Critérios clínicos do DSM-V
Glauco explica que pacientes com um transtorno de personalidade muitas vezes não têm conhecimento suficiente sobre sua condição e apresentam queixas como ansiedade, depressão, abuso de substâncias ou outros problemas não obviamente relacionados com a personalidade. Assim, os médicos devem estar atentos para os sinais de que essas queixas sejam decorrentes de um transtorno de personalidade subjacente. Um indício precoce podem ser as reações do médico em relação ao paciente. A sensação de desconforto (p. ex., irritação, raiva, defesa) ao interagir com o paciente muitas vezes sinaliza a presença de um transtorno de personalidade; no entanto, como essas reações são subjetivas, os médicos devem procurar evidências de confirmação com outras pessoas que interagem com o paciente. Outros indícios podem ser no sentido de que os problemas do paciente são gerados por ele mesmo (às vezes levando o médico a se perguntar “por que ele simplesmente não para de fazer isso?”) ou que os problemas parecem ser maus hábitos, como evitação social, consciência excessiva, impulsividade ou hostilidade excessiva.
Tratamento
• Terapia psicossocial
• Uma abordagem abrangente que, muitas vezes, requer tratamento prolongado
O tratamento é principalmente psicológico, ou seja, com psicoterapia individual (psicodinâmica ou cognitivo-comportamental), terapia de grupo ou terapia familiar. Os traços da personalidade e suas manifestações não costumam ser muito responsivos à medicação. Geralmente, é necessário tratamento.
Princípios gerais do tratamento
Em geral, o tratamento tem por objetivo
• Reduzir o sofrimento subjetivo
• Permitir que os pacientes entendam que seus problemas são internos para si mesmos
• Reduzir significativamente os comportamentos maladaptativos e socialmente indesejáveis
• Modificar traços de personalidade problemática
Reduzir o desconforto subjetivo (p. ex., ansiedade, depressão) é o principal objetivo. Esses sintomas geralmente respondem a um maior apoio psicossocial, que, muitas vezes, inclui retirar o paciente de situações ou relacionamentos altamente estressantes. A terapia medicamentosa também pode ajudar. A redução do estresse facilita o tratamento do transtorno de personalidade subjacente.
Deve-se fazer um esforço inicial para permitir que os pacientes percebam que seus problemas com o trabalho ou com os relacionamentos são internos, ou seja, causados pelas formas problemáticas com que eles se relacionam com o mundo (p. ex., às tarefas, à autoridade ou em relacionamentos íntimos). Alcançar tal entendimento requer quantidade substancial de tempo, paciência e empenho por parte de um médico. Os médicos também precisam de uma compreensão básica das áreas de sensibilidade emocional e das formas usuais de enfrentamento do paciente. Familiares e amigos podem ajudar a identificar os problemas que pacientes e médicos de outra forma desconheceriam.
Comportamentos desajustados e indesejáveis (p. ex., imprudência, isolamento social, falta de assertividade, explosões temperamentais) devem ser tratados rapidamente para minimizar os prejuízos em empregos e relacionamentos. A mudança comportamental é mais importante para pacientes com transtornos de personalidade borderline, antissocial ou esquiva. O comportamento pode ser melhorado em meses por terapia de grupo e mudança de comportamento; limites no comportamento muitas vezes devem ser estabelecidos e cumpridos. Às vezes, os pacientes são tratados em um hospital-dia ou ambiente residencial. A participação em grupos de autoajuda ou em terapia familiar também pode ajudar a mudar comportamentos socialmente indesejáveis. Membros da família e amigos podem agir de maneira a reforçar ou diminuir comportamentos ou pensamentos problemáticos do paciente, de forma que seu envolvimento é útil e frequentemente essencial.
A modificação dos traços de personalidade problemática (p. ex., dependência, desconfiança, arrogância, manipulação) demora bastante tempo – normalmente > 1 ano. A pedra fundamental para efetuar tal mudança é a psicoterapia individual. Durante a terapia, os médicos tentam identificar os problemas interpessoais à medida que eles surgem na vida do paciente. Os médicos, então, ajudam os pacientes a entender como esses problemas estão relacionados com seus traços de personalidade e fornecem treinamento de habilidades para desenvolver novas e melhores maneiras de interagir,. Normalmente, os médicos devem apontar repetidamente os comportamentos indesejáveis e suas consequências antes que os pacientes se tornem conscientes deles, para ajudá-los a mudar seus comportamentos desajustados e crenças equivocadas. Embora os médicos devam agir com sensibilidade, eles devem estar cientes de que gentileza e conselhos sensatos, por si sós, não alteram os transtornos de personalidade.
Tratamento de transtornos associados
O transtorno de personalidade esquizoide pode ser tratado com medicamentos antipsicóticos e aconselhamento individual com foco em teste de realidade, controle situacional e apoio. O benefício desses tratamentos é modesto.
O transtorno de personalidade borderline pode ser controlado por médicos experientes; médicos inexperientes muitas vezes não ajudam ou tornam o transtorno pior. O transtorno de personalidade borderline deve ser o alvo principal do tratamento quando ocorre com transtorno depressivo maior, de pânico, bipolar ou distúrbios alimentares. É o alvo secundário quando ocorre com transtornos por uso de substâncias. Muitas modalidades, incluindo individual, grupal, familiar e terapia medicamentosa, são eficazes na redução do risco de suicídio, internação e uso de pronto-socorro e depressão. A terapia mais usada é a comportamental dialética, que combina sessões individuais e em grupo; os terapeutas atuam como treinadores de comportamento e estão disponíveis o tempo todo. Outro tratamento igualmente eficaz é o controle psiquiátrico geral, que usa terapia individual uma vez por semana e, às vezes, drogas. Estabilizadores de humor, particularmente topiramato e lamotrigina, podem ser úteis, especialmente para o controle da raiva e instabilidade de humor.
O transtorno de personalidade antissocial atualmente não tem tratamento eficaz. Os pacientes podem ser não cooperativos ou abusivos. Os médicos precisam estar muito conscientes dessas tendências e não permitir que os pacientes usem o tratamento como uma desculpa para evitar responsabilidades sociais.
O transtorno de personalidade narcisista muitas vezes pode ser controlado por psicoterapia individual, mas requer terapeutas que enfatizem a empatia e não desafiem o perfeccionismo, os sentimentos de direito e a grandiosidade de seu paciente.
O transtorno de personalidade esquiva muitas vezes responde a terapia individual (de preferência cognitivo-comportamental) e de grupo. No entanto, os pacientes podem ser muito resistentes à mudança porque evitá-la lhes poupa conflitos e sentimentos indesejados (p. ex., de falha ou rejeição).
O transtorno de personalidade obsessivo-compulsivo muitas vezes responde a psicoterapia individual destinada a ajudar os pacientes a tolerar a incerteza e aceitar o seu mundo.
Pontos-chave
• Os transtornos de personalidade envolvem traços de personalidade rígidos e desajustados que estão arraigados o suficiente para prejudicar o funcionamento interpessoal e/ou no trabalho.
• Os tratamentos só se tornam eficazes depois que os pacientes percebem que seus problemas estão dentro de si, e não apenas externamente.
• As terapias psicossociais constituem o principal tratamento.
• Medicamentos são úteis apenas em casos selecionados – por exemplo, para controlar a ansiedade, acessos de ira e depressão.
• Os transtornos de personalidade são, muitas vezes, resistentes à mudança, mas muitos se tornam progressivamente menos graves ao longo do tempo.