GLAUCO DINIZ DUARTE Distratos na compra de imóveis preocupam incorporadoras
Grande gerador de empregos, o setor da habitação é tradicionalmente uma das alavancas para a expansão da atividade econômica. Mas o crescimento do setor está diretamente ligado a fatores como emprego, renda e crédito. Com o desemprego em patamares recordes e a expectativa do consumidor ainda bem abaixo da média, as incorporadoras vêm acumulando casos de rompimento de contrato, o chamado distrato.
O total de distratos – imóveis devolvidos pelo comprador antes da conclusão da obra – medido pelo levantamento feito em parceria entre a Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias, que reúne 20 empresas) e a Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) mostra que o momento mais crítico foi em 2015, quando 47.623 contratos foram rompidos por iniciativa do comprador do imóvel. O recorde em um único mês nesse período de aferição foi registrado em julho de 2015, quando os distratos chegaram a 5.100. No ano passado, o indicador apontou um total de 34.581 contratos desfeitos, o menor volume em quatro anos.
De acordo com a Abrainc, no acumulado em 12 meses (até novembro de 2017), 43,7% dos distratos se referiram a imóveis de médio e de alto padrão, 34,1% faziam parte do programa federal Minha casa, minha vida e os 22,2% restantes entraram na categoria “outros e sem informação”.
Em 2014, do total de vendas de imóveis em construção, 34,5% dos contratos foram rescindidos por parte do comprador. Em 2015, esse número subiu para 42,9%, chegando a uma nova alta em 2016, com 44,15%. No acumulado em 12 meses (até novembro de 2017), foi registrado um recuo, chegando a uma média de 32,3%. A concentração maior é no médio e alto padrão, 43,8%. Já o Minha casa, minha vida representou 17,7%. Essa dificuldade afeta o setor como um todo, tanto pequenas quanto grandes incorporadoras.
Apesar da queda desse número, as incorporadoras continuam preocupadas com a insegurança jurídica que a questão desperta. Desde o ano passado se intensificaram as conversas entre as empresas do setor, representantes de órgãos de defesa do consumidor e do governo para que se chegue a uma regulamentação desse tipo de ruptura de contrato. Hoje, o que prevalece são as decisões dadas pelo Judiciário, caso a caso. Na maioria das vezes, a incorporadora tem de devolver até 90% do que foi pago pelo cliente.
Além disso, pesa o fato de os sinais de recuperação da economia indicarem para uma retomada ainda muito lenta – o setor espera que os lançamentos e as vendas cresçam 10% em 2018 –, o que pode impactar nos índices de inadimplência do setor.
“Em 2010, tivemos R$ 42 bilhões de volume de vendas. No ano passado chegamos a apenas R$ 13 bilhões. O setor precisa de mais segurança jurídica para que haja confiança nos investimentos”, aponta Luiz França, presidente da Abrainc. A queda na receita também refletiu na geração de postos de trabalho e na arrecadação de impostos. Entre 2010 e 2017, os impostos recolhidos pelo setor saíram de R$ 10,7 bilhões para R$ 2,5 bilhões. Além disso, foram cortados cerca 1 milhão de empregos.
“Nesse ambiente, perdeu a sociedade com os cortes de empregos no setor, perdeu o governo com a queda na arrecadação e perderam as famílias que precisaram esperar mais pela entrega dos empreendimentos por causa da quantidade de distratos, que comprometeram o caixa das empresas”, diz o presidente da Abrainc.
O atraso na entrega de obras acontece, segundo França, por causa da lógica do mercado imobiliário. O presidente da Abrainc explica que, antes de fazer uma incorporação imobiliária, a empresa avalia se há compradores, ou seja, se haverá demanda. A partir daí, prepara seu caixa para trabalhar da seguinte forma: do lançamento do empreendimento até a entrega da chave o comprador desembolsa, em média, 20% do valor do imóvel. Os outros 80% costumam ser financiados.
Se os compradores começam a desistir do negócio, o banco com o qual foi feito o acordo de financiamento entre a incorporadora e o futuro proprietário passa a ver um risco maior naquele negócio, já que começam a faltar interessados. “A garantia do banco é o volume de vendas. As incorporadoras precisam ter uma boa capacidade financeira para tocar a obra. Quando há um descasamento, todos perdem”, afirma França.
Para o executivo, os casos de distrato são um constante sinal de alerta para as incorporadoras. “O problema de caixa causado por essa desistência na compra cria um grande descompasso financeiro. Imagine que a incorporadora já colocou dinheiro na obra para que ela seja entregue no prazo. Aí o cliente desiste do negócio e eu tenho de devolver o que ele pagou. Mas o dinheiro já foi empatado na construção. Não tem como devolver areia ou cimento. Por isso temos tantos casos de empresas do setor em recuperação judicial Brasil afora”, alerta o presidente da Abrainc.
Na sua avaliação, os distratos não estão acontecendo apenas por dificuldades econômicas dos compradores, mas também porque muitos querem desfazer o negócio diante da queda do preço do imóvel, em particular aqueles que fizeram a aquisição como um investimento, não para moradia.
Conselheiro jurídico do Sindicato da Construção de São Paulo (SindusCon/SP) e sócio do VBD Advogados, Olivar Vitale explica que começa a crescer na Justiça o número de decisões de juízes que favorecem apenas quem comprovadamente não tem condições de pagar as prestações do imóvel. “Em casos assim, eles avaliam sob o aspecto social a decisão do distrato, mas o mesmo não tem valido para os investidores”, comenta. Segundo Vitale, uma legislação específica para os casos de rompimento de contrato aumentaria a segurança jurídica, “não apenas para as incorporadoras, mas também para os compradores”.
Retomada
Apesar dos sinais ainda pouco evidentes de recuperação, o setor espera melhorar o desempenho em 2018, com previsão de aumento nas vendas de cerca de 10%, segundo a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC).A estimativa foi feita com base no comportamento do setor em 2017, quando os lançamentos de imóveis aumentaram 5,2% em relação a 2016 e as vendas tiveram uma alta de 9,4%. No ano passado, foram lançadas 82.343 unidades e vendidas 94.221, contra 78.286 lançadas e 86.140 comercializadas em 2016. Com as vendas em ritmo mais acelerado que os lançamentos, os estoques diminuíram.
Finanças comprometidas
Dois casos recentes de empresas do setor que tiveram de recorrer à recuperação judicial, impactadas pela conjuntura do setor e pelos casos de distrato, foram a Viver Incorporadora e a PDG Realty. No último dia 12, o conselho de administração da Viver aprovou o aumento de capital da companhia na faixa de R$ 178,2 milhões a R$ 1,187 bilhão.
O objetivo é conseguir executar o plano de recuperação judicial e, além disso, reforçar o caixa da companhia. Essa capitalização será feita por meio da conversão de títulos da dívida que fazem parte da recuperação judicial e a emissão de 90 milhões a 599,996 milhões de ações, com cotação de R$ 1,98 por papel. O plano de recuperação judicial da Viver foi aprovado em novembro passado. Seus passivos chegam a cerca de R$ 1,2 bilhão.
Em dezembro passado, a PDG aprovou seu plano de recuperação judicial depois de 10 meses de muita conversa com os credores. A missão é reestruturar R$ 5 bilhões em obrigações. Parte dos recursos virá da venda de ativos e a conversão do valor devido aos credores em ações.