GLAUCO DINIZ DUARTE Como a tecnologia está moldando as casas e cidades do futuro
De assistentes virtuais a portas inteligentes que recebem encomendas, a tecnologia está cada vez mais presente nos lares. Novos projetos mostram cada vez mais, porém, que essa presença está apenas começando a acontecer.
Como descreve um artigo da consultoria CB Insights, construções modulares, projetos pré-fabricados e até mesmo um bairro todo integrado tecnologicamente são algumas das inovações trazidas por empresas e startups que decidiram unir construção à tecnologia – entre elas, grandes nomes como Google e Amazon. Além de ambicionarem trazer vantagens ao setor e aos próprios moradores, muitos projetos também buscam solucionar problemas das próprias cidades.
Escassez de moradia Em 1964, o escritor americano Isaac Asimov se arriscou a prever como o mundo seria dali 50 anos. Segundo ele, cidades como Boston e Nova York iriam convergir ao longo da costa e formariam áreas “super urbanas”. Enquanto isso, comunidades suburbanas teriam que crescer para baixo e criar lares subterrâneos.
Embora não se tenha chegado a esse ponto, as cidades de fato de tornaram mais cheias, conforme mais pessoas foram atraídas pelo crescimento econômico. Com isso, cresceram os preços dos imóveis e dos alugueis, além da escassez de moradia – segundo estimativas, faltam 7,3 milhões de unidades nos Estados Unidos.
As cidades têm buscado, sem muito efeito, desenvolver regulamentações e incentivos para enfrentar o problema. Agora, startups e gigantes da tecnologia têm entrado para a conta para mudar a forma como o setor imobiliário atua, projeta e constrói.
Tendências na construção Apesar de envolver inúmeros fatores, a crise imobiliária é, em grande parte, resultado da falta de investimento em pesquisa e desenvolvimento por parte da indústria da construção. Segundo uma pesquisa da empresa de consultoria McKinsey, o setor americano investe apenas 0,5% de seu valor anual nessa área.
O resultado disso, como aponta Eric Baczuk, designer da Sidewalk Labs, companhia da Alphabet, dona do Google, é que edifícios são construídos da mesma forma que eram no século XX. Novas tecnologias poderiam, portanto, trazer os projetos para o mundo moderno.
Em relação a financiamento, empresas de tecnologia já têm ganhado mais espaço no setor de construção: até junho deste ano, foram fechados mais de US$ 1 bilhão em acordos, enquanto 2017 fechou com um total de US$ 813 milhões. Já em relação às novidades, as empresas do ramo têm trazido técnicas e modelos que prometem mais eficiência e menos custos.
Entre as soluções mais promissoras, como aponta o artigo da CB Insights, são a pré-fabricação externa – que consiste na utilização de “peças” prontas na construção de edifícios –, a padronização de elementos de design – e a criação de economias de escala eficientes no fornecimento de materiais.
O princípio da construção modular, por exemplo, pode possibilitar que um mesmo projeto sirva como uma casa individual ou como “blocos” empilháveis que dariam origem a pequenos prédios.
Um exemplo de construtora baseada em tecnologia é a Katerra. Além de basear seus projetos na pré-fabricação e na construção “repetível” – que, como a modular, utiliza “kits” de peças versáteis –, ela também explora a logística para interligar suas produções à sua cadeia de suprimentos e, assim, ganhar mais eficiência e produtividade.
Outro recurso explorado por empresas como a Katerra é a madeira, que é economicamente viável e é considerada mais sustentável que o aço e o concreto, que demandam mais energia para a sua produção. O material também pode reduzir em 30% e 60% o peso de um edifício.
Reimaginando a vida na cidade Além do crescimento econômico e da falta de investimento no fornecimento de habitação, cidades como Seattle também devem suas crises de habitação às regulações de zoneamento e aos altos preços de construção. Isso tudo se une, ainda, à atratividade proporcionada pela presença de empresas como a Amazon, cujo número de funcionários na cidade cresceu de 5 mil para 40 mil entre 2010 e 2017, levando os alugueis a saltarem e a acessibilidade à moradia cair.
Para enfrentar o misto de problemas, grandes centros tecnológicos têm investido no desenvolvimento de edifícios mixed-used – que agregam residências, escritórios e lojas – em zonas multifamiliares. Mas, embora esse tipo de projeto resolva o problema para as camadas mais altas, não tem o mesmo efeito para o outro extremo, onde pessoas estão sofrendo para pagar o aluguel. No bairro Playa Vista, em Los Angeles, por exemplo, os imóveis são avaliados em mais de US$ 4 milhões.
As modalidades de co-living também têm sido uma proposta frequente, em especial por parte de startups. Nelas, os moradores alugam pequenos espaços individuais e compartilham áreas comuns, como a cozinha e o lounge.
O modelo de negócio da Starcity, por exemplo, aluga ou adquire propriedades e as transforma em residências compartilhadas nas quais os moradores alugam um quarto e têm acesso às áreas comuns, além de facilidades como Wi-Fi e serviços de limpeza, por em média US$ 1.800. Um modelo semelhante é adotado pela Common, que, por outro lado, faz acordo com os proprietários dos imóveis e cobra deles uma taxa de administração.
A marca dos gigantes de tecnologia nos imóveis residenciais Além das startups, grandes companhias de tecnologia também têm promovido transformações no setor ao desenvolverem parcerias e projetos próprios com foco em seus funcionários. Ao construírem moradias em seus campi, elas fortalecem suas relações com eles e ainda melhoram seu acesso à habitação.
O Facebook é uma das empresas com esse plano em mente. Seu campus em Menlo Park, na Califórnia, deve ser expandido para abrigar o Willow Village, um espaço residencial de quase 20 hectares destinado a funcionários e ao público. O projeto prevê oferecer 1.500 apartamentos planejados, além de estabelecimentos e parques.
O Google também tem planos imobiliários no estado americano, e investiu entre US$ 25 milhões e US$ 30 milhões em 300 unidades habitacionais modulares no bairro de Moffett Field, em Mountain View. No final de 2017, a empresa recebeu sinal verde de autoridades locais para construir um empreendimento com quase 10 mil unidades.
Mais recentemente, a Sidewalk Labs, também controlada pela Alphabet, fechou acordo com o governo de Toronto, no Canadá, para planejar um bairro de alta tecnologia. A proposta é oferecer um espaço eficiente em habitação, varejo, energia e mobilidade, além de rico em oportunidades econômicas e, é claro, tecnologia. Embora a companhia não tenha divulgado exatamente seus planos, seu CEO, Dan Doctoroff, falou sobre como carros autônomos, sensores que rastreiam o uso de energia, machine learning e internet de alta velocidade podem melhorar os ambientes urbanos.
O projeto também tem como característica fundamental um produto de construção chamado de Loft, que deve se basear em uma versão mais “radical” do mixed-used. Nela, residências, varejo, escritórios e estacionamentos convivem em um mesmo edifício. Menos ambiciosos, mas ainda dignos de destaque são os planos da Amazon sobre o tema.
Com planos de integrar ainda mais sua assistente de voz às casas, a empresa fechou parceria com Lennar, Shea e Brookfield Homes, algumas das maiores construtoras e desenvolvedoras dos EUA.
Segundo o The Information, a parceria com a Lennar possibilitará que os dispositivos domésticos inteligentes da Amazon sejam instalados em todas as residências construídas por ela partir de agora. Para se ter uma ideia, a companhia entregou aproximadamente 30 mil imóveis em 2017.
Desafios As ideias e inovações trazidas pelas empresas de tecnologia devem, enfim, conferir um upgrade ao mercado imobiliário. Apesar disso, os empecilhos relacionados a trabalho, zoneamento, uso da terra e capital não são os únicos desafios nesse caminho. Mesmo com potencial para criarem projetos bem sucedidos, essas novas soluções não devem ser suficientes para solucionar a crise imobiliária. De toda forma, as cidades que mais a enfrentam podem ser boas incubadoras para soluções inovadoras.