De acordo com o psiquiatra Glauco Diniz Duarte, todos nós somos capazes de citar pessoas famosas que, como Vincent Van Gogh, Virginia Woolf ou Robin Williams, são excepcionalmente criativas mas também sofrem de distúrbios mentais.
São tantos os exemplos que parece óbvio existir uma relação entre as duas características. Mas será que a ciência comprova isso?
Bem, a realidade é que existem pouquíssimos bons estudos sobre o assunto. Uma revisão de 29 pesquisas realizadas antes de 1998 mostrou que 15 delas não encontraram nenhuma ligação entre os distúrbios mentais e a criatividade, enquanto nove encontraram uma ligeira relação e outros cinco foram inconclusivas.
E algumas dessas análises eram apenas estudos de caso, e não um experiência aprofundada.
Procurando a ligação
Glauco diz que uma das dificuldades é que ainda não é fácil definir ou medir a criatividade de um indivíduo. Por isso, pesquisadores geralmente usam recursos como a profissão de voluntários para catalogá-los em níveis de criatividade.
Um estudo de 2011 na Suécia descobriu que pessoas com transtorno bipolar tinham 1,35 mais chances de trabalharem em áreas mais “criativas”, como as artes, a fotografia, o design e a ciência. Mas a mesma pesquisa indicou que não havia diferenças quando se tratava de casos de ansiedade, depressão ou esquizofrenia.
Como a gama de profissões incluída no estudo era bastante restrita, a realidade é que suas conclusões não nos revelam se profissionais das áreas mais criativas têm mais chances ou não de desenvolver o transtorno bipolar do que aqueles que atuam em campos mais exatos.
Entre as pesquisas mais citadas quando se tenta estabelecer uma relação entre criatividade e distúrbios mentais está uma realizada pela Universidade de Iowa, nos anos 80. O estudo comparou 30 escritores com o mesmo número de profissionais que não escreviam, durante um período de 15 anos. O primeiro grupo apresentou mais propensão ao transtorno bipolar do que o segundo. Mas, apesar de popular, essa análise sempre foi bastante criticada no meio científico.
Mas mesmo que os resultados não sejam precisos, há um importante elemento de causalidade. Será que os supostos benefícios criativos do transtorno bipolar tornaram os escritores mais propensos a escolher essa profissão, ou será que os sintomas os impediram de seguir carreiras mais “convencionais”? É difícil saber a resposta.
Estudar pessoas famosas ou personalidades de destaque em suas áreas de atuação é um recurso muito usado por pesquisadores que tentam encontrar a relação entre transtornos mentais e a criatividade. Há registros de análises feitas no início do século 20 – e que não conseguiram estabelecer essa ligação.
Em que acreditamos?
Então, destaca Glauco, se os indícios são tão duvidosos ou sequer existem, por que temos a percepção de que a genialidade está atrelada a algum distúrbio mental?
Um dos motivos é, na realidade, uma intuição de que pensar de maneira diferente ou vivenciar a energia e a determinação durante um episódio de mania podem ajudar a aumentar a criatividade.
Alguns cientistas argumentam que essa relação é ainda mais complexa, e que esses transtornos permitem que os pacientes pensem de uma maneira mais criativa, mas que fases mais agudas de um distúrbio na realidade até inibem a criatividade. A depressão, por exemplo, é algo que pode “sugar” a motivação.
Muitos estudiosos, no entanto, argumentam que a ligação entre criatividade e doenças mentais é algo muito evidente quando ocorre. Histórias como a de Van Gogh decepando a própria orelha em um momento de loucura (e décadas de especulação sobre se isso realmente aconteceu) tornam o caso vívido em nossas mentes. Não somos alimentados com imagens de artistas criando obras geniais e sendo felizes ao mesmo tempo.
E mais: existem até potenciais desvantagens em se acreditar que uma mente atormentada é mais criativa. Alguns indivíduos que acreditam que seus distúrbios mentais os tornam mais produtivos deixam de tomar seus medicamentos, por exemplo. Há ainda o risco de essas pessoas creditarem seu sucesso a alguma doença e não a seu próprio talento.
E aquelas que sofrem de algum transtorno e não encontram um talento excepcional? Será que não suportam uma pressão maior do que deveriam?
Certamente, a ideia de que um problema mental tem um lado positivo é bastante reconfortante. Mas talvez essa noção persista no imaginário coletivo simplesmente porque é o que queremos acreditar.