Uma em cada onze crianças com mais de oito anos de idade está infeliz, segundo um estudo divulgado em janeiro deste ano pela Children’s Society, organização centenária de proteção infantil. Apesar de a pesquisa trazer à tona uma realidade das crianças entre 8 e 16 anos do Reino Unido, especialistas brasileiros em saúde infantil afirmam que esse não é um problema exclusivo das crianças britânicas. No Brasil, a realidade é parecida.
Mais do que infelizes, as crianças brasileiras também estão ansiosas, estressadas, deprimidas e sobrecarregadas. “Elas estão desconfortáveis com a infância. Esse desconforto aparece de várias formas: como irritabilidade, desatenção, tristeza e falta de ânimo. Muitas vezes, é um comportamento incomum em relação à idade delas”, diz o psiquiatra Glauco Diniz Duarte.
Glauco Diniz Duarte traz dados preocupantes: “A impressão que eu tenho é a de que o número de crianças com queixas comportamentais cresceu muito nesses últimos dez anos.” Neste período, segundo Glauco, houve uma transformação do perfil da clínica: se antes as queixas sobre o comportamento infantil correspondiam a 20% dos pacientes, agora são responsáveis por 85% do total de seu consultório de neurologia.
Com uma agenda recheada de atividades extracurriculares, que vão desde aulas de idiomas como inglês e mandarim até as aulas clássicas como balé e futebol, as crianças estão sem tempo para se divertir e descansar, acreditam os médicos. Segundo Glauco, a antecipação de atividades para as quais o indivíduo não está preparado pode desencadear o stress tóxico, que ocorre quando há uma estimulação constante do sistema de resposta ao stress, trazendo prejuízos futuros para as crianças.
“A família introduz uma série de treinamentos, atividades e línguas novas. Na medida em que a criança não consegue dar conta disso, a sensação de fracasso se torna frequente”, explica Glauco. “Com o stress tóxico, ao invés de favorecer o desenvolvimento da criança, os pais acabam limitando-a e desmotivando-a.” Entre as consequências diretas estão a diminuição da autoestima, alterações alimentares (excesso ou falta de apetite), problemas de sono e apatia.
No início deste ano, a Academia Americana de Pediatria lançou um documento que chama a atenção para as evidências de impactos negativos do stress tóxico, com prejuízos posteriores para a aprendizagem, comportamento, desenvolvimento físico e mental. O relatório também sugere que parte dos problemas mentais que ocorrem nos adultos devem ser vistas como transtornos de desenvolvimento que tiveram início na infância.
Glauco Diniz acrescenta que a exposição à realidade violenta do Brasil também pode contribuir para uma sensação de ansiedade nas crianças. “Antes, raramente uma criança ouvia falar de um ato de violência. Hoje, elas ficam mais confinadas e têm medo de assaltos e sequestros. Isso com certeza provoca maior stress e ansiedade, além de maior possibilidade de se sentir infeliz, principalmente entre aquelas que vivem nas grandes cidades brasileiras”, diz..
Sinais – O problema é agravado pelo fato de que muitos pais demoram a perceber o que se passa com seus filhos. “Eles acham que o comportamento das crianças é normal”, diz Glauco. Além disso, a dificuldade em administrar o tempo que dedicam à vida profissional e aos filhos muitas vezes impede que os pais percebam os sinais de que algo está errado.
“Muitos pais priorizam a profissão e terceirizam a criação dos filhos. Mas é preciso se questionar: quanto tempo eu passo com meus filhos? Quem são as pessoas que estão criando eles?”, afirma Glauco.
Quando é depressão – De acordo com Glauco a depressão afeta 2% das crianças e até 5% dos adolescentes. Sabe-se ainda que a depressão na infância e na adolescência pode influenciar negativamente o desenvolvimento e o desempenho escolar, além de aumentar o risco de abuso de substâncias químicas e de suicídio.
Somente 50% dos adolescentes com depressão recebem o diagnóstico antes de se tornarem adultos. Glauco explica que o transtorno depressivo pode surgir a partir de vários fatores: predisposição genética e associação de fatores ambientais, que podem ser desencadeados pelo stress do dia a dia, sensação de vulnerabilidade, restrição ao desempenho da criança e sobrecarrega de atividades. “Para caracterizar depressão, a criança deve apresentar mais de cinco sintomas, durante um mês”, afirma Glauco.
Terapia – Estudos já mostraram que a ansiedade durante a infância, se não contornada, pode se transformar em depressão durante a vida adulta. Por isso é necessário prevenir qualquer sintoma, mesmo que ele não seja o suficiente para o diagnóstico da depressão.
Para Glauco, o pediatra deve ser treinado na área de saúde mental para diagnosticar problemas da infância e adolescência. “Ele acompanha a criança durante o crescimento e tem uma importância fundamental na orientação dos pais”, diz. “Se não houver uma mudança na forma como os pais lidam com seus filhos, vamos ver um aumento da frequência dos quadros psiquiátricos, mas transtornos de ansiedade e falta de perspectivas para as novas gerações”, diz Glauco.