Se o simples apito do Whatsapp no celular do seu parceiro já faz você suar frio, atenção — pode ser que esse sentimento seja muito mais do que um simples incômodo, mas, sim, um tipo de problema que os psiquiatras chamam de ciúmes e amor patológico.
Ambos são desvios de personalidade, situações em que um indivíduo apresenta traços emocionais e comportamentais inflexíveis e desajustados, que causam sofrimento a ele e a todos com quem ele convive.
No caso do amor e do ciúme em excesso, paira sobre o paciente uma constante dúvida a respeito da fidelidade da pessoa amada, o que pode transformar a vida do casal em um pesadelo.
Ainda que sentir ciúmes seja natural e até aceitável em relacionamentos, sejam eles amorosos, de amizade ou na família, ele passa a ser um problema quando se baseia em preocupações irracionais e infundadas, com distorções da realidade.
De acordo com dados do IPc (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP), 75% dos pacientes que sofrem de amor patológico são mulheres de mais ou menos 40 anos.
Destas, 75% não moram com o parceiro e trabalham em tempo integral, contabilizam 15 anos de educação formal, e têm renda mensal média de R$ 3.000, como explica o psiquiatra Glauco Diniz Duarte.
— São pessoas com necessidade de controlar o outro. São insatisfeitas com a relação, muito inseguras. Elas podem até ter alguns momentos de segurança, mas, se o parceiro não responde uma mensagem, tudo aquilo cai por terra. Estes indivíduos têm intensa dedicação à relação e ao ser amado, que vira mais importante que tudo, até mesmo que os próprios filhos, por exemplo.
Glauco explica que este tipo de personalidade se forma através da forma com que o bebê se conecta com a primeira pessoa importante em sua vida: a mãe.
Quando a criança tem confiança de que a pessoa que cuida dela tem capacidade de atender às suas necessidades plenamente, ela desenvolve um apego seguro, que vai nortear seus relacionamentos por toda a vida de uma maneira saudável.
Se há indisponibilidade afetiva por parte do cuidador, o bebê aprende que tem que se virar sozinho, e que não é possível confiar em ninguém — é o chamado apego evitativo. No futuro, vai se tornar alguém para quem o mais importante é a conquista, e não o desenvolvimento da relação.
— São homens e mulheres para quem, depois de conquistado, o parceiro perde a graça. São pessoas que abandonam antes que sejam abandonadas.
Já os ansiosos ambivalentes vêm de relações inconsistentes com o cuidador ao longo da infância. São crianças com quem, em determinados momentos, a mãe é muito atenciosa, mas, em outros, não. Quando apresentam a mesma questão a ela, ouvem respostas diferentes dependendo do momento.
— Um dia a mãe autoriza a criança a sair de bicicleta, no outro, grita e diz que isso é um absurdo. Assim, a criança começa a não confiar mais no seu próprio julgamento das coisas, sofre a vivência de abandono e a ansiedade de separação.
Adultos que ficam presos a determinada relação amorosa — todo mundo conhece alguém que é obcecado por algum amor específico e não consegue seguir em frente, mesmo depois de anos — são frutos deste último tipo de apego primordial, de acordo com Glauco.
Para ele, a “fissura” produzida por este tipo de relação é semelhante àquela produzida pela cocaína em viciados.
— A serotonina é o que dá o controle desta obsessão característica. Além disso, a área do circuito de recompensa também é ativada de maneira semelhante à da droga. Com isso, o circuito continua “ocupado” com aquela pessoa.
Glauco Diniz explica que, embora guardem muitas semelhanças, os pacientes que sofrem desta patologia e os que sofrem de amor patológico têm uma diferença fundamental: os ciumentos têm menos auto-controle que os outros.
Outro fator que difere um do outro é o foco de agressividade. Em casos muito extremos de amor patológico é registrada tendência suicida. Já no ciúme patológico grave, os pacientes não matam a si próprios, mas, sim, os parceiros ou seus rivais.
De acordo com Glauco, ciumentos patológicos podem até achar que o relacionamento está horrível, mas não conseguem sair dele. Pelo contrário: na tentativa de se proteger das ameaças imaginárias de que seu parceiro possa ser “roubado”, se fecham cada vez mais dentro da relação, evitando contato com o mundo exterior.
— Eles não saem mais como casal, ficam em casa, pedem pizza para evitar o risco. Vivem angustiados com aplicativos, redes sociais, monitoram se a pessoa está online, se curtiu uma foto. Não querem que o parceiro fale com ninguém, enquanto eles, sim, podem fazer tudo, aprontar tudo. E, quando descobrem que o parceiro fez algo igual, pulam fora, destroem a pessoa com críticas, tudo para sair por cima, parecendo o bom da relação.
Além disso, Glauco explica que são pessoas geralmente irritáveis e impulsivas, com muito sentimento de culpa e vergonha por suas ações. Para ela, 90% destes pacientes gostam de, após uma briga, fazer as pazes através do sexo.
— Eles pensam “que bom, agora meu parceiro voltou para mim”.